Em julho, a Scania comemora seus 60 anos de presença no Brasil. Primeira subsidiária da marca fora da Suécia, a empresa brasileira foi constituída como Scania-Vabis do Brasil S/A – Motores Diesel. Se instalou no dia 2 de julho de 1957 no bairro do Ipiranga. Em 1962, inaugurou sua fábrica em São Bernardo do Campo, na região do ABC Paulista. Foi lá que, para marcar as seis décadas de sua chegada ao Brasil, a Scania organizou de 3 a 7 de julho uma exposição com dez de seus modelos mais expressivos. O objetivo da mostra foi recontar, através de alguns de seus mais emblemáticos veículos, a história da marca por aqui – uma trajetória que se mistura à evolução do transporte de cargas e passageiros no país. Foram expostos nove caminhões e um ônibus, todos eles verdadeiros “objetos de desejo” dos fãs de veículos comerciais e todos com aparência impecável, como se tivessem acabado de sair da linha de montagem. Nove dos modelos expostos pertencem a colecionadores – e alguns ainda trabalham. Apenas um dos caminhões expostos é da própria Scania e ainda opera dentro da fábrica.
Entre os modelos da exposição, o mais veterano era um L 71 importado da Suécia, de 1957. Era impulsionado por um motor D642, de 9,35 litros e seis cilindros, com injeção direta, 150 cv e rodas aro 20. A capacidade máxima de tração chegava a 35 toneladas. Força e potência eram suas características mais marcantes. “Era o sonho de consumo de qualquer transportador daquela época, e considerado a 'Ferrari' dos pesados”, conta seu atual dono, Oswaldo Strada, da Strada Transportes. Strada localizou o caminhão há uma década, na cidade de Curvelo, em Minas Gerais. Com cinquenta anos e capacidade para 20 toneladas, trabalhava rotineiramente em boas condições. Imediatamente, o adquiriu para sua coleção particular.
O Scania “brasileiro” mais antigo da exposição é um L75 de 1959, azul celeste. A Vemag o produziu pela primeira vez em sua nova linha de montagem, em 1958, especialmente feita para atender a Scania. O motor veio da Suécia e era um D-10 de 4 tempos diesel com injeção direta, 165 hp e 63 kgfm. A caixa de câmbio é uma G500, de 5 marchas sincronizadas. A caixa de câmbio auxiliar, também sincronizada, aumenta a força de tração em 40% e torna as mudanças mais eficientes. “Quando olhei bem para o caminhão, quase desmaiei. Vi que era o mesmo que eu namorei durante uma viagem para Porto Velho, 30 anos atrás”, recorda Laurindo Cordiolli, da Cordiolli Transportes, o atual proprietário do veículo. Com 58 anos, o L 75 1959 funciona normalmente até hoje e é o “queridinho” da coleção de 50 veículos antigos que está guardada num galpão exclusivo na Cordiolli Transportes, em Maringá, no Paraná.
O outro L 75 exposto é de 1960 e representa um marco. A partir de junho daquele ano, com uma fábrica de motores já instalada no bairro Ipiranga, a Scania-Vabis assume a produção completa dos veículos. No início dos anos 1960, a empresa Irmãos Contatto se dedicava rotineiramente ao transporte de pequenas cargas pelo interior do estado de São Paulo. O desejo de expandir os horizontes de Atílio Contatto ganhou impulso com a inauguração da cidade de Brasília (DF), que gerava fortes demandas de mão-de-obra e de transporte. Para se aventurar Brasil afora, Contatto recorreu ao recém-lançado Scania L 75. A partir de 1964, a empresa mudou sua configuração social, passou a chamar-se Transportadora Contatto e enveredou no transporte de produtos perigosos. Firme e forte, o L 75 ganhou um implemento tanque e transportou componentes químicos até os anos 1980, quando foi aposentado. “Na verdade, mantivemos o caminhão fazendo manobras no pátio até 1985, sempre bem preservado”, conta Atílio Contatto Júnior. Vendê-lo nunca passou pela cabeça dos donos. Hoje, o veículo é mantido dentro de uma redoma de vidro e só é retirado em ocasiões especiais.
O L 75 foi sucedido pelo L 76 – e um exemplar de 1964 também estava na exposição da Scania. Lançado no segundo semestre de 1963, o modelo é movido por um motor D-11 que proporciona 195 cavalos e 76 kgfm. Para atender às peculiaridades no mercado brasileiro, em 1964, foram criadas as versões LS e LT, com dois eixos traseiros. Quando novo, o Scania L 76 exposto rodava pelas estradas brasileiras transportando carga frigorífica e carga seca para a Rodoviário Michelon, da cidade de São Marcos (RS). Já na década de 1990, os donos da empresa, que chegou a ter mais de quatro mil veículos em sua frota, decidiram manter o cavalo mecânico no pátio da transportadora, apenas para manobras com implementos. Com a falência da transportadora, no início dos anos 2000, o L 76 ficou bloqueado juridicamente por mais de três anos e ficou esquecido no imenso pátio do que fora, outrora, a Michelon. Em 2008, alguns ativos da Michelon, entre eles o L 76, foram a leilão. A família Galiotto, dona da Vinícola Galiotto, estava interessada em resgatar alguns desses bens. Ao chegar ao local, Adelar Galiotto se encantou com o apelo visual do Scania 1964, que estava muito surrado. “Não fomos ao leilão atrás desse caminhão, mas ao vê-lo não resistimos”, recorda Maicon, hoje o mais apegado ao caminhão. Ficou um ano e meio em reparos. Assim que foi restaurado, ganhou o prêmio de Melhor Veículo de Trabalho em Estado de Conservação na tradicional exposição de Flores da Cunha (RS). Agora, aos 53 anos, o L 76 só passeia em feiras de veículos antigos.
Em 1974, a Scania trouxe seu primeiro V8 para o Brasil, o LK 140. Na exposição, havia um exemplar de 1977, que pertence ao colecionador Antônio Sérgio Hurtado, mais conhecido como “Neo”. “Eu o achei em Curitiba e tinha uma bela história. O primeiro dono do caminhão envelheceu e acabou ficando cego, mas todos os dias o colocava para funcionar. Até um momento em que não conseguia mais fazer isso e os filhos acharam melhor vendê-lo. Comprei na hora”, relata o colecionador. O motor diesel DS 14 de 350 cv do 140, caminhão que ficou popularmente conhecido como “cara chata”, foi apresentado, na época, como o mais potente do gênero na América Latina. O modelo passou a ser produzido em escala na fábrica brasileira em setembro de 1975.
Em setembro de 1975, saia da nova fábrica de chassis o primeiro caminhão ali produzido, um L 111, com cabine leito e direção hidráulica. O modelo foi aperfeiçoado para melhorar ainda mais o consumo de combustível e a vida útil do motor. Tudo isso aliado a mais potência, de 203 cv, disponível em três versões: LS, com dois eixos traseiros, sendo um motriz e outro de apoio, LT, com dois eixos traseiros motrizes, e L, na versão 4x2. Foi o último e mais bem-sucedido capítulo de uma era que durou mais de 20 anos: os chamados “jacarés”. O exemplar exposto na fábrica da Scania era de 1980. “Foi meu primeiro Scania e sempre trabalhou muito bem, nunca me deu trabalho. Decidi mantê-lo perto de mim, para dar sorte”, explica Ivan Camargo, dono da I.C.Transportes. Por mais de 20 anos, transportou carga seca e granéis. Em 1996, Camargo deslocou o caminhão para uma rota menos severa, de três quilômetros, entre um poço artesiano e a transportadora. Durante quinze anos, o L 111 abasteceu a I.C.Transportes com água. A partir de 2011, o velho “jacaré” descansou. Desde então, se mantém estacionado no pátio da empresa, que fica em Sumaré (SP). Sai de vez em quando, em viagens esporádicas. Camargo reconhece que sempre teve um apego especial por ele, e este foi o motivo para preservá-lo por tanto tempo. No ano passado, o L 111 foi totalmente reformado.
Em 1983, a Scania traz para o Brasil o intercooler, equipamento para motores turbo-alimentados que operam com resfriamento de ar de admissão. Os caminhões da linha T 112 ganharam mais potência e torque, o que resultou em mais economia de combustível durante a operação. São lançados os modelos HW e EW de 410 cv, os mais potentes do mercado brasileiro na época. O T 112 HW exposto saiu da fábrica em 1989. Em 1996, o transportador autônomo Carlos Alberto Lando avistou esta versão Scania T 112 HW 1989. Vistoso, o caminhão estava à venda, seu primeiro dono o havia conservado muito bem. Decidiu comprá-lo e com ele, durante anos, puxou incansavelmente uma carreta baú entre Caxias do Sul (RS) e São Paulo. Conseguiu expandir seus negócios com carga fracionada até abrir a Andreló Transportes, na cidade de Ipê (RS), em 2003. “Até em dias de folga meu pai costumava dormir na boleia do caminhão”, relembra Cristian Lando, filho de Carlos Alberto. Em operação até hoje, o 112 HW puxa um implemento tanque com produtos químicos apenas na região. Há dois anos, passou por uma reforma completa, que o deixou com jeitão de zero quilômetro.
Em 1991, uma nova geração de caminhões pesados foi apresentada. Novos motores, uma nova caixa de mudanças e mais um amplo conjunto de inovações tecnológicas. São os caminhões da Linha 113/143 (Série 3), que ofereciam potências de até 450 cavalos, as maiores do mercado. Os modelos apresentam maior torque e maior potência, ao mesmo tempo em que os índices de emissão e o consumo de combustível foram diminuídos. Fator que os destacou entre os caminhões nacionais da época. Luis Loucatelli trabalhou durante anos por conta própria, transportando pedra e areia para abastecer indústrias de concreto. Em 1995, Loucatelli comprou o caminhão Scania T 113 H 4X2, zero quilômetro, um dos mais recomendados para ajudar na rota de abastecimento de matéria prima da fábrica, na Vila Prudente (SP). Com ele, os motoristas da Cortesia rodavam até 300 quilômetros por dia, indo buscar areia em Caçapava, Taubaté ou Jacareí, ou pedra em Arujá e Santa Isabel, no interior do estado de SP. “Recentemente fiz uma reforma nele, que depois de 20 anos, continua na ativa. Só está parado atualmente pela situação geral do mercado”, explica. Vender? “Nem pensar!”, avisa.
O T 124, de 1998, rememora o lançamento da Série 4, que chegou ao Brasil trazendo tecnologias pioneiras como o Retarder, sistema de freio auxiliar, e a suspensão a ar para caminhões. Foi o maior lançamento da história da Scania no Brasil, com mais de 8 mil convidados na fábrica e 27 mil nas redes de concessionárias. O ano de 1998 foi marcado pelo início do Sistema Modular Scania, conceito que reúne um número limitado de componentes e permite a produção de uma infinidade de combinações. Criado, concebido e mantido sob as asas da fábrica, em São Bernardo do Campo (SP), o cavalo mecânico T 124 de 400 cavalos, ano 1998, é o xodó da montadora. Quem conta sua história é Albano Figueiredo, gerente de Produção da Scania, considerado o pai do caminhão. “Montamos este veículo para fazer testes de adaptação ao mercado”, lembra. “Como fazíamos várias experiências com o caminhão, acabou ficando exclusivo para a fábrica”, relata, lembrando que ainda hoje é usado no transporte interno de peças. Prestes a completar 20 anos, o veículo só tem 40 mil quilômetros rodados e preserva a aparência de novo.
Mas nem só de caminhões se fez a história dos 60 anos da Scania brasileira. O ônibus Flecha Azul K 113 CL, da Viação Cometa, estava na exposição para lembrar isso. Esse modelo de 1998 é o ônibus mais conhecido do Brasil. Seu visual tipicamente americano e o padrão de conforto superior a boa parte dos outros ônibus que circulavam pelas rodovias brasileiras até o fim da década de 1990, fizeram dele uma lenda entre os apreciadores dos grandes veículos de transporte coletivo. O ônibus Flecha Azul surgiu em 1963. Ele tinha carroceria Ciferal, chassi Scania e serviu a Viação Cometa por 30 anos, entre as décadas de 1960 e 1990. Conquistou a simpatia dos passageiros pelos detalhes que o diferenciavam dos ônibus rodoviários convencionais, como o característico “degrau”, que elevava o salão de passageiros em relação à cabine do motorista, e as lendárias poltronas de couro legítimo. A última geração do Flecha foi produzida em 1999.
Autor: Luiz Humberto Monteiro Pereira (Auto Press)
Fotos: Divulgação