Em um país continental como o Brasil, onde o transporte de carga e passageiros fica “pendurado” no modal rodoviário, sobra muito pouco espaço para o romantismo. Das duas, uma: ou se planeja o negócio com rigor, para ganhar produtividade, ou se apela para uma espécie de transporte de subsistência, que desemboca no caminhão fumacento e lento, que se arrasta à margem da estrada. Os próprios caminhões refletem esta profissionalização. A maior parte deles é vocacionada já na fábrica para uma determinada e inescapável função. Apenas uns poucos modelos conseguem fugir de um destino tão ferrenhamente traçado. Caso do Mercedes-Benz Atego, que atua tanto no segmento de médios quanto no de semipesados e que se adapta com certa facilidade tanto ao trânsito urbano quanto às rodovias.
Entre outros fatores, esta versatilidade faz com que a Mercedes-Benz encare seu modelo semipesado como mais indicado para receber novas ofertas de equipamentos e tecnologias. São produtos rentáveis para a montadora e facilmente rentabilizados pelos compradores. Caminhões pesados e extrapesados, como os das linhas Actros e Axor, já chegaram em um nível de sofisticação muito alto, o que reduz bastante o campo para novidades práticas, que não possam ser classificadas como “perfumaria”. Na última Fenatran, realizada entre 28 de outubro e 1º de novembro no Annhembi, em São Paulo, a Mercedes-Benz introduziu alguns recursos novos no Atego. O mais importante, sem dúvida, é a caixa de marchas de 12 marchas totalmente automatizada, batizada de Powershift – mesmo nome dado pela Ford ao câmbio de dupla embreagem de seus automóveis.
A nova transmissão da Mercedes é oferecida apenas no Atego 2430, top de linha, e tem algumas funções que facilitam a vida do motorista. Uma delas é a EcoRoll, que põe o câmbio em neutro – em momentos que nem a tração nem o freio motor são necessários – para economizar combustível. Por uma questão de segurança, o sistema trabalha de forma autônoma, sem a intervenção direta de quem dirige. Outro recurso interessante é o sistema Power, que libera giros mais altos para o motor por 10 minutos. Funciona para encarar um trecho de serra ou para uma ultrapassagem mais difícil. Como opção ao câmbio PowerShift, o Atego 2430 oferece um modelo manual com 9 marchas enquanto a versão 2426 manteve o câmbio de 6 marchas sincronizadas.
A linha Atego utiliza duas família de propulsores: OM 924, de quatro cilindros e 4,8 litros, e OM 926, de 6 cilindros e 7,2 litros. O motor de 4 cilindros gera sempre 185 cv de potência e 71,4 kgfm de torque e é usado no médio 1419 e no semipesado 1719. Já o propulsor de seis cilindros, dependendo da configuração, apresenta um rendimento diferente. Ele oferece potências de 256 cv ou de 286 cv, com torque de 91,8 kgfm, 114,3 kfgm ou 127,5 kgfm e é aplicado nos semipesados 1726 e 1729 e nos pesados 2426 e 2430. Além das novidades, a linha Atego ainda incrementou o conforto a bordo com uma nova suspensão para a cabine. Ela agora incorpora molas helicoidais e o objetivo foi isolar melhor vibrações e irregularidades do piso. Afinal, é preciso se preparar bem para enfrentar uma gigantesca malha rodoviário desafasada, subdimensionada e desassistida.
Impressões ao dirigir
BR-040/RJ e MG – Houve um tempo em que dirigir caminhão carregava uma boa dose de aventura, quando se podia rodar o país de um lado para o outro, dormir sempre em cidades diferentes e formar rede social “in loco” – empurrado por uma pressa apenas relativa. Agora, os trajetos são de armazém para armazém, com controle de frota, monitoramento via satélite e, dependendo da carga, até escolta armada. Entre a profissionalização extrema e a antiga mambembice, sobraram alguns pequenos prazeres da vida de caminhoneiro. E o Mercedes-Benz Atego 2426 se mostrou um instrumento preciso na hora de valorizar cada um deles. O trajeto com o 2426 se iniciou na concessionária Miriam, encravada na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. O destino era a fábrica da montadora alemã em Juiz de Fora, Minas Gerais, através da rodovia BR-040.
Após serpentear na Serra de Petrópolis e percorrer aproximadamente 60 km, a parada diante do antigo cassino e atual condomínio Quitandinha, na entrada da Cidade Imperial, teve apenas fins documentais. Não havia qualquer necessidade de descanso após pouco mais de uma hora a bordo do 2426. A cabine do Atego é prevista para que o motorista passe várias horas por dia em vários dias seguidos. Os bancos não são tão aconchegantes quanto os de um automóvel, mas são feitos para que se chegue ao destino inteiro. Numa comparação, eles seriam uma boa cadeira de executivo enquanto os assentos de um carro seriam um poltrona – melhores para descansar que para trabalhar.
Percorrer 60 km em uma hora é um resultado satisfatório para um pesado como o 2426. A velocidade cruzeiro entre 80 e 90 km/h acaba mesmo apontando para esta média. Neste ritmo a viagem se torna bem pouco estressante e as reações do caminhão são sempre neutras e previsíveis. Na parte alta da 040, se sucedem Itaipava, Pedro do Rio, Areal e Três Rios, ainda no estado do Rio. O piso neste trecho é acarpetado por um asfalto especial, que é mistura a borracha extraída de pneus reciclados. Isso aumenta o conforto a bordo, melhora a aderência dos pneus e ainda reduz o nível de ruído – que no caso do Atego, já era bastante aceitável.
Neste trecho, com muitas subidas e descidas, o câmbio manual de 6 marchas é um pouco mais exigido. Ele é suave, leve e bastante amigável. A direção também se mostra agradável, com o peso correto em cada situação. Este bom ambiente se sustentou até a chegada na fábrica na cidade mineira, às margens da própria rodovia. Os 180 km foram, de fato, percorridos em três horas sem qualquer esforço. O 2426 em questão trazia um baú vazio e por isso toda a vasta potência e o torque esplendoroso do motor 7,2 litros de 256 cv e 91,8 kgfm animavam com extrema facilidade os 7 mil kg do conjunto – 6.540 do caminhão e cerca de 500 quilos do baú. De qualquer forma, o Atego inspira mesmo uma cadência típica de passeio, numa velocidade em que se pode apreciar a paisagem. Como eram as viagens nos velhos tempos.
Autor: Eduardo Rocha (Auto Press)
Fotos: Eduardo Rocha/Carta Z Notícias